segunda-feira, 17 de março de 2008

Passeio

Fui dar uma volta. Fui comprar tabaco. Fui ver se estava a chover. Fui.
Não chovia e o tabaco sabia como os primeiros cigarros que fumei, intenso e o sabor pleno de tonalidades. O frio que na véspera me consumira tinha desvanecido. Sentado na esplanada de um café, pousei o casaco noutra cadeira e fiquei a pensar. Não pensei como era curioso nunca me ter sentado naquele café, naquela rua em que passo todos os dias. Não pensei nas guerras, nas fomes, nos presidentes e ministros que governam como crianças mijando sobre carreiros de formigas. Não.
Pensei com os sentidos. Pensei com a pele que me descrevia o toque morno do sol e o afagar da brisa ali, junto ao rio, que os ouvidos me narravam: o deslizar sereno das águas e as gaivotas que os olhos viam descer para pousar sobre o manto azul. Pensei com os lábios e a língua a carne irmã que os explorava, que os beijava. Sorvi o cheiro dessa mulher e adivinhei-lhe as formas.
Levantei-me por fim. Deixei lá o casaco, meio por vontade, meio por esquecimento. Se o for procurar agora, não o encontrarei. Não havia café, nem rio, nem tabaco. Fui, apenas.
E, com um sorriso, rodo agora a chave de casa enquanto seguro a sua cintura com a outra mão.