sábado, 24 de maio de 2008

Vergiess alles was Ich Dir sagte

Há filmes que marcam. Esquece Tudo O Que Te Disse foi um filme que me marcou e tive agora a oportunidade de colocar as minhas mãos numa magnífica edição em DVD, que além de, entre os seus Extras, nos presentear com Respirar (Debaixo de Água), a premiada curta-metragem de António Ferreira, realizador do filme, traz também as bandas sonoras de ambos os filmes que, verdade seja dita, são uma delícia. O prazer de rever este filme português (bem que se podem ignorar os preconceitos nacionais adjacentes a esta expressão) foi apenas atenuado pela noção - que se apagara um pouco da memória - que possui algumas partes mais fracas a nível de diálogo e de representação. Felizmente, são momentos esporádicos, que não impedem de fruir de uma das melhores obras da sétima arte feitas por cá, na minha modesta opinião. Digo isto porque Esquece Tudo O Que Te Disse, sem ser um filme de cariz mainstream, também não entra por caminhos obscuros, desses que tanto se descobre no chamado cinema de autor.
Vale a pena ver e rever, nem que seja para lembrar que o cinema em Portugal não é só Manoel de Oliveira ou O Crime do Padre Amaro...

Azembla's Quartet - Esquece Tudo O Que Te Disse (videoclip)


Trailer

domingo, 18 de maio de 2008

A Carta Que Não Te Escrevi

Não te poderia nunca escrever esta carta. É por isso que não lhe conheces a existência. É que esta carta é tudo o que deves saber e tudo o que jamais poderás conhecer. Estas palavras são abstractas. São a verdade que deve ser enterrada como mentira vergonhosa. Por isso, se um dia, já velha e cansada, leres por acaso o que agora te digo, finge que nunca foram para ti, mas aceita-as como sendo, já que pertencem a quem lhes tocar com o olhar.
Devo confessar-te que no nosso adeus usaste palavras que nunca deveriam ser usadas. Devo confessar que soaram como munições num pelotão de fuzilamento e que, acima de tudo, a morte antecipada que me proporcionaste nada alterou. As mesmas palavras que ansiei dizer no dia em que te conheci; em cada vez que te olhei; em cada instante que pensei em ti, continuam sendo as mesmas.
Bem sei que enterraste ou desejas enterrar cada um dos sorrisos que trocámos, cada vez que os nossos olhares tiveram diálogos que nenhuma língua pode descrever, cada jura de eternidade, cada roçar das nossas peles, cada momento em que acreditaste que havia mais no mundo que o próprio mundo. Não sou um qualquer Cristo, para praticar ressurreições. Sou um mero animal de mãos rasgadas, com o corpo rasgado, deixando a água escorrer. Sou um mero animal que acreditou nas tuas carícias.
Queria perdoar-te. Não posso. É-me impossível perdoar os teus gestos e a tua esconjura, tanto pelo facto de terem ferido este búfalo imenso que habita em mim, como por me ser impossível guardar qualquer raiva contra ti e, portanto, nada ter para te perdoar.
Entende, por favor, que estas palavras não se destinam a ninguém e que, ainda assim, as dirijo apenas a ti. São apenas a minha forma, quase infantil, de te dizer: este mundo não te fechou as portas, apenas apagou a luz que esperava por ti, à noite, iluminando o alpendre. Se chegares ao patamar e chamares pelo meu nome, não farei mais do que dar-te as chaves para esta casa; essas chaves que sempre foram tuas.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Porcelana

Ele não a conhecia. Não sabia quem ela era. Não lhe vira a máscara sob a máscara que ela tão gentilmente lhe servira. Sem dúvida poderemos perguntar se ele se apaixonou por uma máscara, tão passageira como o dia de Carnaval. Mas perguntar tal seria não saber que homem era ele.
"É possível aceitar uma máscara e amar não a porcelana decorada a negros traços, mas os breves momentos em que ela se ergue.", dizia ele, quando lhe pediam que explicasse.
Em boa verdade sabemos que ele próprio experimentara tantas máscaras que descobrira que um homem não é nem o que julga ser, nem quem julgam que é: o homem é uma soma de quem quer ser com a subtracção do que não conseguiu atingir.
Era por isso talvez que ele, mais do que o toque macio da porcelana, amava as pequenas rachas que, aqui e ali, despontavam no falso rosto, tão liso.
Ele não a conhecia, mas estava disposto a ver o tombar da máscara, a beijar a cicatriz que a obrigara a tal adereço.
A dor do rosto fendido nunca lhe permitiu a ela descobrir-se e quando sentiu não poder mais suportar o peso do seu disfarce, refugiou-se no deserto onde sabia que ele jamais a iria encontrar.
Ela nunca soube por quantos anos ele a procurou, mas soube um dia da sua morte. Traçada na campa, uma só frase:
"Supus em ti todas as cicatrizes e assim vim a estar aqui, reproduzindo-as em mim para serem parte de mim como o são de ti."
Ela nunca soube que ele conhecia como era frágil a porcelana.

Carta ao Homem que temia ser Feliz

Eu sei que dói ser feliz. Dói descobrir o preço da felicidade. Dói porque, quando a felicidade se ausenta, fica o nada e o abismo fere. E tu que não conhecias o amor, tu que não conhecias o sonho, de súbito sentes a invasão do teu lar cor de cinza, desse conforto que nos traz a inércia de nada ter.
E esqueces e queres esquecer o traço mágico do teu sorriso que se rasgava sempre que não sentias o peso abrupto de te fazer falta algo sem cor, forma, cheiro ou preço no mercado. E esqueces - e é tão triste - o estranho prazer de sentir.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sonho

Sonhei que não encontrava a tua foto. Bem sei que é disparate, que nada significa. Também sei onde tenho todas as tuas fotos e ainda assim... Consegues entender? Esta noite, dormindo, não encontrava a tua fotografia e foi o pânico que me tomou.
E, quando acordei e fitei meus olhos no teu sorriso imóvel que sempre me recebe ao despertar, estava incerto sobre o que era sonho afinal.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O Prisioneiro Louco

E então estou louco, dizem-me. Estou insano, absolutamente insano e incapaz de agir dentro da arena da normalidade. Pior ainda, dizem-me que além de louco estou dependente. Que não me consigo libertar, que estou preso, terrivelmente confinado a não ser uma criatura livre, dessas que não necessitam de ninguém por perto. Estou acorrentado aos outros, assim mo dizem.
...
Graças a Deus!

Recuso a liberdade se for solidão e a normalidade se for para produzir lã branca.