segunda-feira, 12 de maio de 2008

Porcelana

Ele não a conhecia. Não sabia quem ela era. Não lhe vira a máscara sob a máscara que ela tão gentilmente lhe servira. Sem dúvida poderemos perguntar se ele se apaixonou por uma máscara, tão passageira como o dia de Carnaval. Mas perguntar tal seria não saber que homem era ele.
"É possível aceitar uma máscara e amar não a porcelana decorada a negros traços, mas os breves momentos em que ela se ergue.", dizia ele, quando lhe pediam que explicasse.
Em boa verdade sabemos que ele próprio experimentara tantas máscaras que descobrira que um homem não é nem o que julga ser, nem quem julgam que é: o homem é uma soma de quem quer ser com a subtracção do que não conseguiu atingir.
Era por isso talvez que ele, mais do que o toque macio da porcelana, amava as pequenas rachas que, aqui e ali, despontavam no falso rosto, tão liso.
Ele não a conhecia, mas estava disposto a ver o tombar da máscara, a beijar a cicatriz que a obrigara a tal adereço.
A dor do rosto fendido nunca lhe permitiu a ela descobrir-se e quando sentiu não poder mais suportar o peso do seu disfarce, refugiou-se no deserto onde sabia que ele jamais a iria encontrar.
Ela nunca soube por quantos anos ele a procurou, mas soube um dia da sua morte. Traçada na campa, uma só frase:
"Supus em ti todas as cicatrizes e assim vim a estar aqui, reproduzindo-as em mim para serem parte de mim como o são de ti."
Ela nunca soube que ele conhecia como era frágil a porcelana.

1 comentário:

Anónimo disse...

podia dizer-te algo sobre este post porque as palavras nele contidas foram escritas para a mulher que se esconde na cassamia, mas depois ia ser uma confusão tão grande que o silêncio, assim disfarçado, é a melhor solução...