terça-feira, 28 de setembro de 2010

Hibernação

Debaixo dos lençóis, debaixo da colcha, enrosco-me como um animal muito velho que não quer acreditar que acabou o tempo de hibernar. Nunca ouvi dizer que tal tenha alguma vez sucedido, mas tenho a certeza que acontece. Na vidraça junto à cama não bate chuva nenhuma: está sol lá fora. Está um tempo errado para lá das cortinas, porque devia estar a chover e não está.
O telefone toca na mesa-de-cabeceira e eu finjo não ouvir. Toca uma e outra vez e ainda outra. Atendo.
"Sim?"
"Olá..."
Ela fica à espera de uma resposta que não dou. Então prossegue.
"Estou de volta à cidade... Queres combinar um café?"
"Não."
Desligo. Lá fora continua a não chover e assim não dá, assim é impossível um homem, por mais só que esteja, por mais derrotado que se sinta, deixar-se abraçar pelo conforto cinzento do vazio. Levanto-me, por fim. Vou até à casa-de-banho, abro a água do duche. Penso que, se voltasse para a cama, este som talvez me iludisse e eu conseguisse sentir pena de mim mesmo. Mas em vez disso enfio-me debaixo da água que queima na minha pele, que açoita a carne cansada e sinto-me num outro abraço que não aquele outro em tons de cinza que procurava nas almofadas.
Depois de me vestir, quando estou para sair de casa, algo me leva a pegar no telefone e a discar rapidamente um número. Ela atende.
"Desculpa, há pouco quando ligaste tinha acabado de acordar e esqueci-me de te dizer uma coisa..."
Quase a consigo ver a sorrir do outro lado, enquanto diz:
"Tudo bem. O que é que me querias dizer?"
"Vai à merda."
Desligo. Saio de casa. Afinal o sol está absolutamente de acordo comigo.

4 comentários:

Kapikua disse...

foda-se, bendita a hora que decidiste levantar-te do choco...

faz sempre falta que escreva como tu!

grande abraço

nonsense disse...

Amanhã degusto o teu regresso.

Primavera ou Inverno? :)

Sun Iou Miou disse...

Definitivamente é outono. Um outono magnífico.

Koky disse...

E ela foi? À merda quero dizer.