segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Na Nossa Sinfonia

Escutei. Havia passos no corredor. E talvez não fossem passos de quem anda, mas de quem rodopia numa dança antiga (muito antiga, Deus criou-a quando arrancou Eva de Adão e o deixou sendo apenas metade) e eu abri a porta e espreitei. Foi quando se me abriu o peito e escorreu uma nota solta que, caindo no chão, se desfez em cem e de cem se fez em dez mil.
Uma senhora esperava-me e observava divertida o meu rosto de espanto perante a melodia que assim nascia. "De que te serve meia sinfonia?" "Meia?", perguntei, confuso. "Meia.", repetiu-me. E deu meia volta e entrou-me na cabeça. "Vá," disse-me dentro de mim, "vamos procurar a outra metade."
Meti a trouxa às costas (um pouco de pão, meio queijo e um pouco de vinho) e fiz-me à estrada. "Não percas o Norte, segue os carris.", avisou-me a senhora na minha cabeça. E fui carris fora, dormindo à beirinha, às vezes ao frio, às vezes à chuva.
Quando cheguei à cidade vinha o Sol atrás de mim, ainda mal nascido e ao ver-me riu e disse "Então mas que procuras tu?" E contei-lhe a minha história e o Sol riu e disse "Esteve sempre aí."
E brotei a senhora da minha cabeça. E não era uma senhora, mas uma rainha de branco e ouro que se desculpou dizendo "Não dou nomes às coisas. Que importância tem os nomes das coisas?"
"Tens razão, não importa. Mas importa que existam."
E ela mostrou-me o peito aberto e caiu uma nota que se desfez em cem e de cem se fez em dez mil.
"A menina dança?"

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