domingo, 20 de janeiro de 2008

Génese

Tive a particularidade de passar as manhãs da minha infância numa biblioteca municipal, enfiada num velho convento convertido em edifício dos Paços do Concelho, onde a minha mãe era funcionária. Assim, enquanto a minha mãe trabalhava no andar de cima e eu esperava pelas aulas da tarde, lia os livros que enchiam as prateleiras do andar de baixo, nem sempre para a minha idade.
Lia banda desenhada, policiais, aventuras... Sabia onde estava cada livro, melhor que as bibliotecárias, e passava parte desse tempo a colocar no devido lugar aqueles que alguém pusera na estante errada.
Desde os cinco anos que queria poder contar as histórias que me assaltavam o espírito, mais propenso a sonhos que a trepar árvores. Então escrevia histórias de dez, vinte páginas, geralmente violentas e assustadoras. Os meus pais preocupavam-se com a ideia de que o seu primogénito pudesse ter inclinações violentas. Estavam enganados.
O que me interessava era o poder de brincar com as personagens, de as conduzir, de me realizar nelas. Depois, a capacidade de divertir quem lia, de os entreter e, por fim, de lhes proporcionar uma experiência mais ou menos gratificante.
Hoje, digo: 'Sou escritor.' E há quem ria. Sou escritor porque, primeiro que tudo, sou um leitor que escreve o que gostaria de ler. Sou leitor porque sou um escritor que lê o que gostaria de pôr por escrito.
Sou escritor, acima de tudo, porque em criança boa parte dos meus amigos eram páginas encadernadas, que me deram a conhecer o mundo que vive dentro de nós e que, a bem dizer, talvez não seja menos real do que este em que nos movemos.

2 comentários:

Anónimo disse...

este teu post fez-me sentir compreendida plenamente porque também assim te compreendo.
e és Escritor. e como diz o Borges, um escritor escreve-se a si mesmo.
não é maravilhoso crescermos com amigos tão mágicos???

Jonas disse...

Desisto...
Sempre que tento comentar algo em teus Blogs, deparo-me com CASSAMIA, antes.
Não que não seja um agradável encontro, nem que a repetição destes acasos me desconforte, mas fico sem palavras para atear em ti o entusiasmo para levares até o fim a árdua tarefa de converteres os sonhos em realidade.
Como gostaria.
_________________
Apenas um palpite:
Não estará na hora de bazares deste local mal frequentado, a que alguns chamam país?