segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Ruínas

Quando chegámos à cidade, já esta estava em ruínas. Do cimo da colina, parados na estrada poeirenta com a minha mão enlaçando a tua, podíamos observar o fumo negro que subia das casas desfeitas.
'Quando foi?', perguntaste.
'Penso que dormíamos.'
Ficámos em silêncio, contemplando. Puxaste-me até um rochedo e sentámo-nos, difusos na bizarra mistura das cinzas e da luz do sol que surgia então no horizonte. Beijei-te o rosto e tu os meus lábios. Fizemos amor: duas silhuetas em contraste com a luz dos incêndios. Quando terminámos, deixámo-nos nus, deitados na pedra. Eu olhava os teus seios, erguendo-se contra a luz.
'Esta noite sonhei que incendiava a cidade.'
'Sim, bem sei. Eu também.'
Enlacei a tua cintura, as nossas peles confortáveis no contacto.
'Morreram todos?'
'Sem dúvida.'
Olhaste-me. Em contra-luz, não conseguia ver os teus olhos. Mas sentia-lhes o brilho amargo.
'É aqui que nos separamos.', disseste.
'Por um sonho?'
'O teu sonho. Levaste-me nele. Vê o que aconteceu.'
Virei o rosto para o céu. Não te vi ergueres-te. Não vi enquanto cobrias o teu corpo ondulante com a prisão da tua roupa. Ouvi apenas o teu balbuciar 'Adeus...' O som dos teus passos perdeu-se por entre as nuvens e a cinza.
Quando me ergui, era já noite e estava só, abandonado ao meu sonho. No vale, uma cidade em ruínas.

4 comentários:

Anónimo disse...

a tua escrita é cinematoráfica: consigo ver, sentir e cheirar tudo. toco-lhe porque me toca.
(que inveja)
cassamia

Anónimo disse...

ups... fugiu-me o 'g'. desculpa
cassamia

Igor disse...

:) obrigado cassamia pelos (constantes) elogios...

Anónimo disse...

vão certamente continuar a existir porque a qualidade da tua escrita não te deixará abruptamente. assim sendo, recebo o teu obrigado já para os tempos vindouros :-)
cassamia